sábado, 9 de abril de 2011

 A democracia como desculpa e o petróleo como objetivo


O terremoto do Japão parece ter acendido a centelha do imponderável em muitos aspectos do nosso cotidiano e da política planetária como um todo. Afora a incrível destruição que foi causada pela combinação de um terremoto de 8.9 na Escala Richter (cujo valor máximo é de 11) com um Tsunami devastador, houve ainda a conseqüência do mal funcionamento dos reatores da Usina Nuclear de Fukushima. A verdade é que acontece no nordeste do Japão está provocando repercussões planetárias no que concerne ao uso da energia gerada por usinas nucleares, pois agora a memória coletiva está bem avivada em relação aos problemas de se usar uma fonte tão perigosa para suprir as necessidades energéticas da sociedade capitalista. Assim é que a Alemanha já começou um processo de discussão sobre a viabilidade de se manter tão dependente da energia nuclear.  Isto sem falar no Brasil, onde as três usinas que estão sendo planejadas para construção imediata talvez tenham de esperar um pouco mais para se tornaram realidade.
    Mas a análise do dia seguinte ao terremoto que abalou o Japão fica mais confuso quando alinhado aos conflitos armados que estão ocorrendo no Oriente Médio e na África. Tal fato, aparentemente isolado, torna-se mais relativo quando observamos que há uma guerra aberta na Líbia, onde os EUA e a União Européia decidiram usar seu poderio militar para, teoricamente, impedir que um ditador sanguinário (Muammar Khadafi) continuasse massacrando a população civil de seu próprio país.  Mas uma informação recente parece dar pistas do que está realmente em jogo;em uma notícia que ocupou poucas linhas, o mundo foi informado que os rebeldes líbios vão começar a exportar petróleo cru a partir de uma das cidades que foram tomadas do governo líbio, Benghazi. E isto tudo num contexto onde o governo que ainda é reconhecido pela maioria dos governos do mundo é o que está instalado em Tripoli, e não aquele funcionando em Benghazi que, por sinal, era a sede do governo imperial derrubado por Khadafi. Assim sendo, o que era para ser uma campanha para proteger inocentes está se mostrando apenas como um esforço para forçar a troca do fornecedor do petróleo líbio.
        A contradição a que os governos dos países ricos estão submetidos é ainda mais explicitada pelo fato de que a repressão militar a manifestantes civis está sendo tolerada em países como Bahrein, Iêmen e Jordânia que, não por acaso, são fortes aliados do governo norte-americano em seu esforço para manter o equilíbrio geopolítico no Oriente Médio. Como sabemos que o valor estratégico daquela região é dado principalmente pelas suas reservas petrolíferas, o que aparece em discursos como uma posição ideológica em fazer do fortalecimento da democracia, acaba não passando de uma tentativa aberta de se manter o status quo criado após a Segunda Guerra Mundial.  Ainda que este tipo de cinismo político não deva surpreender ninguém, o que toda situação mostra uma vez mais é que os discursos em prol da democracia são letra morta, visto que o que realmente interessa é a manutenção do controle das fontes de abastecimento do principal componente da matriz energética mundial.
         Entretanto, é preciso dizer que nem sempre o plano dos poderosos acaba determinando o destino da História.  Aliás, não faltam exemplos de situações que foram iniciadas com determinados propósitos, mas que acabaram causando mudanças históricas muito além, e bem diferentes, do que seus idealizadores haviam projetado. Um exemplo disto foi a queda do Muro de Berlim, o qual acelerou o fim da União Soviética. Tivesse Mikhail Gorbatchov a habilidade de prever o futuro, talvez a abertura política simbolizada pela Glasnost não tivesse sido tão ampla ou tão rápida. O fato é que um dos elementos que estão assombrando os estrategistas norte-americanos e europeus se relaciona ao desconhecimento de quem realmente controla a oposição política e militar aos ditadores e reis autocratas que estão tendo sua partida demandada pacificamente ou militarmente por todo o Oriente Médio e em partes da África.  No caso da Líbia e do Iêmen, existem fortes suspeitas de que a Al-Qaeda está por detrás da organização dos enfrentamentos, o que confirmado significaria um pesadelo estratégico, visto as implicações que isto traria para toda a região. Essa incerteza parece inclusive estar se refletindo na ação militar da OTAN na Líbia, onde os rebeldes proclamam que estavam em condição melhor quando dependiam apenas de Deus para realizar sua luta contra o regime de Khadafi.
     Apesar de o Brasil estar relativamente de fora deste turbilhão político não é possível ignorar que já estamos tendo repercussões políticas e econômicas que são reflexo deste momento de grave incerteza que o mundo atravessa. Se não fosse por nada, já poderíamos citar os altos preços que estamos enfrentando toda vez que se abastece o carro. Como o preço dos combustíveis serve como um gatilho para tantos outros aumentos, o que se antevê é um aumento ainda maior nas taxas inflacionárias.  Caso isto aconteça, poderemos ver de que material é realmente feito a democracia brasileira. Pelos últimos acontecimentos parece que está mais para barro do que para tijolo.