sábado, 4 de junho de 2011




Plantações de eucalipto desbancam pecuária de corte no MS


Da Redação 

Sobraram apenas dois hectares ao redor da casa-sede, uma criação de frangos caipiras e 90 cabeças de gado, que pastam sob a rede de alta tensão que corta a propriedade




Os demais 842 hectares da Fazenda Três Marias, em Três Lagoas, MS, foram arrendados para o cultivo de eucalipto quatro anos atrás. “É uma oportunidade de negócio e tanto“, afirma o proprietário, Hilário Pistori, que deixou Birigui, no interior de São Paulo, há 53 anos, para se casar com a três-lagoana Alminda.

Em pouco mais de cinco décadas, ele viu a cidade passar por três fases importantes (era quase uma vila quando se mudou para lá): na década de 1970, a chegada de colonos e aventureiros atraídos pela terra barata e pelos programas do governo federal incentivando o povoamento do Centro-Oeste; nas duas décadas seguintes, sua afirmação como polo de pecuária extensiva (na época, Três Lagoas orgulhava-se de abrigar o maior rebanho de gado de corte do Brasil); e, recentemente, a transformação do município em referência nacional na produção de celulose – matéria-prima para a fabricação de papel.

A boiada, que reinava absoluta desde os primórdios da ocupação humana da região, no século passado, passou a conviver com 150 mil hectares de eucalipto.

Hilário Pistori presenciou essa revolução das janelas de sua alfaiataria e da loja de confecção e calçados que mantinha no centro da cidade. Como bom comerciante, tratou logo de comprar terras – pagou 250 cruzeiros pelo alqueire, em 1972, valor de difícil conversão.

“Comparando aos preços de hoje, foi quase de graça”, diz ele. Atualmente, um alqueire paulista (equivalente a 2,42 hectares) custa, no mínimo, 15 mil reais na região. Ele confessa que não se interessava por eucalipto quando a cultura foi introduzida na região, há 22 anos.

Mas mudou seu ponto de vista com a construção das fábricas da Fíbria e da subsidiária americana International Paper, que produz 200 mil toneladas por ano de papel para imprimir e escrever.

Elas colocaram Três Lagoas no mapa-múndi da celulose e reescreveram a história da silvicultura nacional, cujos cultivos se concentravam no sudeste e no sul do país.

O que a cidade e o entorno têm de especial? “Áreas extensas e planas desocupadas pela pecuária, na divisa com o estado de São Paulo, e escoamento da produção para o Porto de Santos através da Ferrovia Novoeste e da Hidrovia Paraná-Tietê“, explica Fernando Raasch, gerente de produção da Fíbria, que opera com plantios próprios e em terras arrendadas de 74 produtores rurais.

São essas plantações que garantem 1,3 milhão de toneladas de celulose por ano – quase toda ela exportada para Europa, Estados Unidos e Ásia – e os planos de inaugurar a segunda linha de produção, em 2014, com capacidade para 1,5 milhão de toneladas por ano.

Com as outras unidades no Espírito Santo, São Paulo e Rio Grande do Sul, a Fíbria ocupa o primeiro lugar entre as dez maiores empresas de celulose do mundo, com 5,4 milhões de toneladas por ano. Suprir a fome desse gigante somente em Três Lagoas significa produzir 15 milhões de mudas anuais – provenientes de cinco clones da espécie Urograndis.

Paulo Renato Teixeira, técnico florestal, acompanha o plantio durante o ano inteiro. Uma rotina que ele ainda não cansou de admirar: o trator abre sulcos na profundidade adequada e despeja adubo no volume certo.

Na sequência, a equipe dá início ao plantio com uma matraca, que abre a cova e libera a muda com uma dose de gel, que ajuda em sua hidratação. Após 40 dias, aplica-se um defensivo contra plantas daninhas, que será reaplicado por mais duas vezes a cada 45 dias.

O eucaliptal recebe ainda adubação durante três vezes no primeiro ano, e um monitoramento nutricional da planta é feito para os anos seguintes. “Aí é esperar sete anos para a primeira colheita e, pela segunda, proveniente da rebrota, mais sete“, comemora o produtor José da Silva Freitas, do distrito de Arapuá.

O agricultor só agradece às facilidades desse plantio, que passou a ocupar metade (1.200 hectares) de sua fazenda e lhe garante renda de R$ 31 mil mensais, receita engordada com a cria e recria de gado.

“Meu único compromisso é avisar no caso de fogo na plantação“, comenta. Plantio, colheita e manutenção da floresta são incumbências da empresa. José conta que demorou para ver o eucalipto “acontecer” na região. Ele iniciou os primeiros plantios na década de 1970.

Nesta época, investiu na cultura em terras recém-compradas. Antes de adotar a silvicultura como fonte de renda, ele dependia de uma rede de supermercados em Nhandeara e imediações, no interior paulista.

O comércio de alimentos foi a forma que ele encontrou de se fixar no Brasil, com a ajuda de um tio português, que, como ele, fugia da penúria decorrente da ditadura salazarista em Portugal (Antônio de Oliveira Salazar governou o país de 1932 a 1968).

No entanto, a inflação da década de 1980 ruiu seus negócios e ele decidiu se mudar para a Fazenda Novos Tempos com esposa e filhas para o recomeço. Depois de tanta lida, ele acredita que a tranquilidade proporcionada pelo eucaliptal é mais do que merecida em seus 76 anos de idade.

Quando firmou a parceria, seu José de Freitas viu sua propriedade ser transformada com a recomposição dos 20% de área de reserva legal e áreas de proteção permanente (APP), exigidas por lei. Nos anos 1970, o desmatamento não era nada condenável. “Hoje, é inconcebível“, analisa João Afiúne, engenheiro florestal e gerente de silvicultura.

Ele explica que essa recomposição é uma das exigências para a empresa obter o licenciamento ambiental, uma das normas para seu funcionamento. “Plantações e biodiversidade não precisam ser rivais“, analisa.

Ele utiliza esse exemplo, inclusive, para desmistificar os males atribuídos à cultura do eucalipto no passado. A principal delas era que a plantação secava a água do solo.

Tempos depois, ficou comprovado que esses casos aconteciam em plantios que não respeitavam as distâncias recomendadas para rios e nascentes. “Mas o setor florestal evoluiu e passou a ser certificado por selos internacionais rigorosos“, comenta Afiúne.

Hoje, a floresta plantada é sinônimo de sustentabilidade“, analisa Celso Foelkel, engenheiro florestal e diretor de relacionamento internacional da Associação Brasileira Técnica de Celulose e Papel (ABTCP).

Ele explica que existe uma série de normas a ser cumpridas pelo manejo florestal, como plantar de acordo com a topografia da região e projetar corredores para os animais circularem.

“Como essas lavouras podem ser chamadas de desertos verdes por ambientalistas?“, questiona. As indústrias que vão processar a madeira também tiveram de adequar suas formas de produção.

Nenhum resíduo gasoso ou líquido sai da fábrica sem antes ser tratado. “É um setor vitorioso“, define Foelkel. No entanto, para que essa atividade ganhasse outras áreas do país (confira mapa), não bastou apenas que elas fossem mais baratas e mecanizáveis.

Empresas e agricultores contam com uma silvicultura eficiente que gera madeira de ótima qualidade para a produção de celulose e colheita antecipada em sete anos, na comparação com os 35 anos da Finlândia, tradicional produtor. Ela é fruto de investimentos em pequisas com melhoramento genético, cuidados com o solo, técnicas de plantio, irrigação, entre outros.

A Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa) prevê que, nos próximos dez anos, o setor vai investir US$ 20 bilhões para ampliar os 2,2 milhões de hectares de florestas para 3,2 milhões de hectares. Mas o município de Três Lagoas continua a simbolizar a expansão delas pelo país.

Três mil novos empregos foram criados com as instalações da Fíbria e da International Paper – e o PIB do estado triplicou (13%).

Mas a cidade não parou por aí e se prepara para receber uma nova indústria no final de 2012. “Queremos nossa fatia nesse negócio“, brinca Vilmar Cardoso, presidente da Florestal Brasil, que irá suprir com mudas de eucalipto a novata Eldorado Brasil.

A empresa, que está projetada para produzir 1,5 milhão de toneladas de celulose por ano, está em fase de construção. Por enquanto, 50 milhões de mudas estão sendo preparadas para os novos plantios. Segundo Vilmar, eles serão 30% provenientes de áreas próprias e 70% de parcerias com agricultores.

No total, serão ocupados 210 mil hectares com florestas plantadas na região. Quando a Eldorado inaugurar sua segunda linha, o município fabricará 4,3 milhões de toneladas de celulose – somando-se a produção da Fíbria.

A previsão é para 2014, e a partir dessa data a cidade poderá ser chamada de capital mundial da celulose, sem perder, entretanto, a majestade de terra da pecuária.