domingo, 4 de dezembro de 2011

Por detrás de discursos modernos e críticos se escondem os novos paladinos do conservadorismo brasileiro 


Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 223 da Revista Somos Assim
Que o Brasil possui uma sociedade extremamente conservadora não é nenhuma novidade, pois basta olhar a história da nossa construção para identificar que em vários momentos nevrálgicos, a opção de nossas elites foi pela manutenção de uma ordem social ancorada na submissão aos interesses de uma fração minoritária da população. Isto se deu no processo de independência, na proclamação da república e, especialmente, no final institucional da escravidão negra. Em todos estes momentos foram perdidas chances claras de superarmos a herança colonial para nos tornarmos uma sociedade democrática e includente. O resultado desta falta de apetite de nossas elites pela inclusão daqueles segmentos alijados das benesses oriundas da exploração das vastas riquezas existentes no território brasileiro é que temos uma sociedade partida, desigual e injusta para a imensa parte do povo brasileiro. 

Entretanto, isto tudo não é nenhuma novidade porque até pensadores mais conservadores, como no caso do antropólogo Gilberto Freire, já reconheceram isto. A novidade é o surgimento de uma nova casta de vozes neoconservadoras que se dedicam com afinco à tarefa de negar óbvio, qual seja, a natureza intrinsecamente desigual da sociedade brasileira, só que agora sob a capa de um discurso moderno e globalizado. Ainda que o ódio declarado destes yuppies neoconservadores seja a Lula e ao PT, vistos por eles como símbolo de tudo que está errado na política brasileira, o verdadeiro alvo são os milhões de pobres que retiraram e mantiveram fora do poder federal os partidos representativos da burguesia. Apesar de Lula ser parcialmente responsável pela validação que estes paladinos do neoconservadorismo encontram, pois atuou como poucos para despolitizar a sociedade brasileira, não há porque culpar o ex-metalúrgico pela sustentação estas vozes do atraso recebem da mídia corporativa. O fato é que há um profundo ódio de classe no interior das elites, que se vêem ultrajadas até pela concessão de migalhas sociais como a Bolsa Família. 

O interessante é que estas vozes do neconservadorismo estão espalhadas por áreas vastas do pensamento nacional incluindo a literatura, a música e até a produção acadêmica. Em comum, o que estes porta-vozes do atraso procuram nos oferecer é uma reinterpretação da realidade, presente ou passada, onde todos os incontáveis problemas da sociedade brasileira são atribuídos aos poucos anos em que o PT vem ocupando o poder, como se o resto da história brasileira fosse marcado sempre por ações probas por parte dos governantes. Mas o pior aspecto desta tentativa de reinterpretação é uma espécie negação de fatos históricos recentes, e a tentativa de absolvição de determinados personagens ou, ainda, a negação de fatos irrefutáveis. 

Um exemplo deste pensamento neoconservador é o cantor Lobão que durante Festival da Mantiqueira de 2011, reclamou da “perseguição” aos acusados por crimes por tortura durante a ditadura. Durante uma mesa redonda ali realizada, Lobão teria reclamado do pagamento de reparações para quem “sequestrou embaixadores e crucificam os torturadores que arrancaram umas unhazinhas". Mas Lobão não está sozinho nesta tentativa de reescrever a história. Outro porta-voz da reinterpretação de fatos históricos irrefutáveis é o jornalista Leandro Narloch que publicou recentemente a pseudo-obra “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”. Em seu blog pessoal, o ex-jornalista da Revista Veja, Narloch reconhece que seu livro não seria ”um falso estudo acadêmico, e sim uma provocação”, cujo objetivo seria enfurecer um bom número de cidadãos. Apesar de não conhecer Narloch pessoalmente, creio que estaria entre os cidadãos que ele desejaria enfurecer, dada a sua tentativa de desconstruir a memória de luta de uns, e justificar a vilania de outros. Outro que tem sido escolhido para dar voz a este tipo de releitura da realidade é Demétrio Magnoli, um misto de escritor e professor universitário, e que se transformou num faz-tudo da releitura da realidade. Ainda que o alvo preferido de Magnoli seja o reconhecimento oficial de que o Brasil não é uma democracia racial, a sua voz é procurada pela mídia toda vez que algo precisa ser (re) interpretado em prol dos interesses manifestos das elites nacionais. 

Para complicar a forma unilateral com que o debate sobre o estado da nossa sociedade vem sendo feito é que as poucas vozes de oposição estão sendo abafadas, inclusive com as bênçãos do governo Dilma. Se tomarmos apenas o exemplo do sociólogo Emir Sader que teve sua nomeação para presidir a Fundação Casa de Rui Barbosa por ter criticado a forma pela qual as políticas de governo federal estavam sendo implementadas no governo federal. Essa falta de paciência para ouvir a crítica vinda da esquerda pode até ser explicável num governo de coalizão como o de Dilma Rousseff, mas esta atitude deixa as vozes neoconservadoras sem o necessário contraponto. 

O pior é que até no ambiente universitário há uma propensão marcante a evitar o devido confronto intelectual com o lixo do pensamento conservador, o que contribui para aumentar a despolitização e fortalecer o domínio do pensamento conservador que, aliás, já é bastante forte. Do jeito que a coisa vai, vamos acabar tendo que ouvir que os negros é que inventaram a escravidão, como parece sugerir Leandro Narloch em sua obra supracitada.