quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Sede implacável

Mais de 90% da água do planeta é usada na agricultura; Brasil é o quarto consumidor




Renato Grandelle – O GLOBO, renato.grandelle@oglobo.com.br


Sinal vermelho no campo: a agricultura, como praticada hoje na maior parte do mundo, é insustentável e apodera-se de 92% da água doce do planeta. O alerta, publicado na revista científica PNAS, é assinado pelos pesquisadores holandeses Arjen Hoekstra, criador do conceito “pegada hídrica”, e Mesfin Mekonnen. A expressão refere-se à quantidade de água usada em toda a cadeia produtiva. O Brasil é, hoje, o quarto país com maior consumo deste recurso, e o quarto entre aqueles que exportam mais bens cuja produção requer grande volume de água, como os primários.

A dupla estimou a pegada hídrica média de cada país e setor econômico, baseando-se no consumo nacional de produtos e no comércio global de commodities, entre outras estatísticas, compiladas entre 1996 e 2005. A demanda de água doce das plantações surpreendeu os pesquisadores, visto que este percentual, em levantamentos anteriores, foi mais baixo.

Para Hekstra, diretor científico da ONG Water Footprint Network, a agricultura pode adotar modos de produção mais sustentáveis, principalmente em áreas secas. O Brasil, embora esteja entre os maiores consumidores de água, preocupa o pesquisador por outro motivo: a procura por água doce que o país terá de administrar, vinda no futuro de outras nações.

Brasileiro consome 3.780 litros por dia

O pesquisador considera que o interesse de alguns países latinoamericanos — Brasil e Chile à frente — pelo conceito de pegada hídrica é “maior do que em outras regiões do mundo”. No ano passado, Hekstra foi a São Paulo e revelou que um brasileiro consome, em média, 3.780 litros de água por dia, entre o que vem de casa (5%) e de produtos industriais e agrícolas (95%). Só uma xícara de café exige 140 litros de água, considerando o líquido necessário para plantio e produção da bebida.

Como ocorre em todos os recursos, normalmente o consumo é muito maior em nações desenvolvidas do que nos países em desenvolvimento. A pegada hídrica per capita dos Estados Unidos, por exemplo, é mais do que o dobro da média global. Há, porém, exceções à regra.

— Alguns países industrializados têm uma pegada hídrica relevante por causa de seu grande consumo, principalmente de carne — explica Hekstra. — Mas a Bolívia, por exemplo, também conta com um grande gasto d’água por habitante; e não por causa de um consumo significativo, mas devido à sua produção agrícola ineficiente.

Hekstra admite ser difícil prever como será o comércio no futuro. Mas, segundo ele, alguns cenários parecem inevitáveis. A China é a protagonista dos mais inquietantes. O país, lembra, já lida com uma grande escassez de água; por isso, precisará importar uma quantidade crescente de commodities. A América do Norte, que também sofre com carência de água doce em algumas regiões, terá de recorrer mais vezes aos vizinhos do sul.

— A América Latina vai se tornar a maior exportadora do mundo de produtos que necessitam de um grande volume de água — revela. — Por isso é essencial que o uso sustentável desse recurso seja assegurado. Provavelmente a pressão sobre suas reservas crescerá mais rápido que deveria, se considerássemos apenas o crescimento da população e da economia desses países.