domingo, 18 de março de 2012

Como o Rio de Janeiro chegou onde está? Pergunte ao Lula! 

Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no  número 236 da Revista Somos Assim



Um número crescente de pessoas se pergunta como pode o Rio de Janeiro, estado em que se deu uma forte resistência ao regime militar de 1964, estar assistindo quase impávido ao que eu chamo de (des) governo de Sérgio Cabral Filho. Para entender esse mistério, visto que a mistura entre incompetência para servir à população e a sofreguidão com que serve aos interesses das corporações privadas é um elemento evidente deste (des) governo, creio ser necessário retornar ao ano de 1998, quando em uma de suas muitas apostas equivocadas, Luís Inácio Lula da Silva impediu a candidatura de Wladimir Palmeira e impôs uma aliança com Anthony Garotinho. Ao fazer isto, Lula emasculou o PT do Rio de Janeiro, e o transformou naquilo que Anthony Garotinho ainda teve a sagacidade de rotular de “Partido da Boquinha”, alcunha esta da qual o partido nunca mais conseguiu se descolar, até, em muitas ocasiões, merecidamente. 

Entretanto, os acontecimentos de 1998 não nos renderam apenas duas gestões da família Garotinho à frente do poder executivo estadual, mas um PT fluminense cada vez mais acostumado à posição subalterna de se apegar ao poder, não importando quem seja o governante do plantão. Além disso, esta situação foi ainda mais complicada pela ausência de um partido de esquerda de densidade eleitoral, o que acabou abrindo espaço para a perpetuação das políticas de natureza assistencialista, elemento que contribuiu para um aumento da despolitização de amplos setores da população. Neste contexto, a chegada de Sérgio Cabral ao poder acabou sendo uma conseqüência natural, mesmo porque Anthony Garotinho acabou ficando sem uma opção própria (ou melhor, ainda, familiar) por força de impedimentos legais. 

Algo com que talvez nem Anthony Garotinho contasse foi a aproximação que se deu entre Sérgio Cabral e Lula, fato este que contribuiu para um repentino fluxo de recursos federais que haviam sido negados ao Rio de Janeiro durante quatro longos anos. De quebra, Sérgio Cabral ainda se tornou beneficiário do sucesso que Lula obteve em vender uma política de endividamento massivo das camadas pobres como sendo um projeto de democratização do acesso a bens de consumo - e isto tudo em meio a uma grave crise econômica mundial. Assim, Sérgio Cabral teve uma reeleição razoavelmente fácil, dado que nem as forças de direita nem as de esquerda conseguiram organizar um projeto alternativo que conseguisse fazer frente à popularidade de Lula. 

Mas Cabral não se garantiu no poder apenas por sua amizade com Lula, a qual continua firme e forte no governo de Dilma Rousseff. A verdade é que Sérgio Cabral soube usar de forma inteligente, e para isto ele tem bons estrategistas ao seu lado, a anestesia popular proporcionada pelas políticas assistencialistas do governo federal associada a uma série de benesses (materializadas através de bilhões de reais de isenções fiscais) para as grandes corporações econômicas que operam no Rio de Janeiro. Estas, por sua vez, se mostraram bastantes generosas no financiamento das campanhas eleitorais do PMDB. De quebra, a boa vontade da mídia foi garantida com doses cavalares de verbas publicitárias que resultaram numa blindagem quase impenetrável, onde os principais malfeitos do governo Cabral foram escondidos sob a manta das chamadas Unidades de Polícia Pacificadora. A soma desses fatores é que explica como um governo que tem se mostrado extremamente incompetente ainda pode desfrutar de índices de popularidade que podem ser considerados bons. 

Mas qual é a situação do estado do Rio de Janeiro? Se tomarmos, apenas à guisa de exemplo, a situação dos serviços públicos privatizados, veremos que nos encontramos à beira de uma situação de calamidade pública. As cenas grotescas que estão se avolumando em torno dos serviços de trens, bondes, barcas, hospitais e escolas, e que até os grandes veículos de comunicação estão tendo que mostrar, não deixam margens para outra interpretação. O problema maior nem é ver a repetição de cenas mostrando a situação humilhante que a população enfrenta até para chegar ao trabalho, que já viraram rotina, mas a falta de respostas por parte dos órgãos que deveriam estar fiscalizando as empresas concessionárias dos serviços de transporte. De quebra, ainda temos casos como o do aumento das barcas, onde em meio às evidências inescapáveis de prestação de péssimos serviços pela Barcas S/A, o (des) governo Cabral ainda resolveu brindar a empresa com um aumento de 60%, valor muito além da inflação acumulada ao longo do período em que as passagens ficaram sem reajuste. 

Como em 2012 teremos eleições municipais, é possível que vejamos se, de fato, o PMDB manterá o domínio que hoje desfruta no cenário partidário fluminense. Todas as indicações caminham no sentido de que a vida dos candidatos apoiados por Sérgio Cabral não será tão fácil como esperam os mais otimistas de seus aliados. O bom é que, como toda farsa tem tempo de validade, o charme de Sérgio Cabral está chegando ao seu limite. No plano local, isto significaria um contexto péssimo para os que querem se opor ao grupo de Anthony Garotinho, ao desencorajar na população a vontade de abraçar as promessas de mudança.