terça-feira, 1 de maio de 2012



Audiência Pública discutiu direitos básicos das comunidades atingidas por empreendimento minerário

Promovido pelo MPMG, o encontro ocorreu na comunidade de São Sebastião do Bom Sucesso, município de Conceição do Mato Dentro
 
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), por meio da Promotoria de Justiça de Conceição do Mato Dentro, da Promotoria de Justiça do Serro, da Coordenadoria Regional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente das Bacias dos Rios Jequitinhonha e Mucuri e da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos), realizou uma Audiência Pública, no dia 17 de abril de 2012, na comunidade de São Sebastião do Bom Sucesso, município de Conceição do Mato Dentro-MG. Mais de 300 pessoas participaram da audiência, cujo objetivo foi discutir os direitos básicos da população atingida pelo empreendimento minerário da Anglo Ferrous Minas-Rio Mineração S.A., nos municípios de Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas e Dom Joaquim.

Compuseram a mesa diretora da Audiência Pública os promotores de Justiça Almir Geraldo Guimarães, Francisco Chaves Generoso, Paulo Cesar Vicente de Lima, Marina Kattar e Weber Augusto Vasconcelos; a procuradora da República Silmara Cristina Goulart e a defensora Pública Flávia Marcelle Torres Ferreira de Morais. Além dos representantes da sociedade civil da região, estiveram também presentes autoridades municipais, professores de Universidades, entre tantas outras pessoas.

A audiência foi aberta pelo promotor de Justiça de Conceição do Mato Dentro, Almir Geraldo Guimarães, que na ocasião deu as boas vindas a todos e falou dos objetivos da audiência. Em seguida passou a palavra aos demais integrantes da mesa, que fizeram suas considerações iniciais e votos de boas vindas, destacando a importância da participação das comunidades atingidas na resolução dos conflitos. Reafirmaram ainda a missão do Ministério Público de defender a sociedade e lembraram que todos estão imbuídos na defesa desses direitos e na busca da solução dos problemas. Na sequência, o coordenador da Cimos, promotor de Justiça Paulo César Vicente de Lima, explanou sobre assunto e prestou esclarecimentos acerca dos procedimentos para a realização da Audiência Pública, destacando que o principal objetivo da audiência era a oitiva do povo do lugar.

A voz do povo

Durante a Audiência Pública, os representantes das comunidades locais, entre elas as de Jassém, Itapanhoacanga, Córregos, Gondó, Mumbuca, Água Santa, Água Quente, Água Limpa, 
Ferrugem, São Sebastião do Bom Sucesso e São José do Arruda, colocaram em discussão os principais problemas que enfrentam na região em função do empreendimento minerário.

Para os moradores do distrito de Jassém, os principais impactos são sentidos na poluição das águas dos rios, a exemplo do Rio São José e dos córregos Passa Sete e dos Pereiras; no temor em relação à construção da barragem de rejeitos; na falta de respeito com a população que há muitas gerações habita aquela região e, inclusive, no aumento da evasão escolar.

O representante do distrito de Itapanhoacanga relata que nada do que foi prometido pela empresa está sendo cumprido; que há dificuldades em relação ao transporte, uma vez que o tráfego intenso de veículos pesados danifica as estradas, que há ainda problemas na educação, no meio ambiente, e o povo pede explicações que não são dadas.

A comunidade de Córregos indaga sobre o que vai ocorrer com suas nascentes e quais serão as consequências das explosões, cujos abalos têm sido sentidos na comunidade. Reclamam que o povo não vai ter sossego; que a igreja da comunidade está sendo danificada e que os ricos querem passar por cima dos pobres.

Representantes da comunidade do Gondó relatam que a empresa vem comprando terrenos na região e com isso deixando algumas comunidades ilhadas, pois a mineradora não permite que os moradores transitarem por caminhos que tradicionalmente usavam, ficando a comunidade sem acesso às nascentes e as fontes de água que atendem a muitas famílias. Além disso, veículos pesados estão danificando as estradas e mataburros, dificultando o acesso e prejudicando as atividades da região.

As principais reclamações apresentadas pela comunidade de Água Quente dizem respeito ao fornecimento e à qualidade da água. Um dos presentes afirma que em razão da qualidade da água do rio, já perdeu vários animais, entre bezerros, porcos e galinhas. O abastecimento de água para a população também passa por problemas. Foi construído um poço artesiano, mas que nem sempre o bombeamento funciona. "A comunidade já chegou a ficar nove dias sem água", afirmam.

Em Mumbuca e Ferrugem, segundo os representantes, falta responsabilidade social por parte da empresa. Segundo eles, seguranças armados impedem acessos de propriedades naquela região e moradores pedem respostas convincentes sobre isto. Os presentes foram unânimes em afirmar que a empresa mineradora não cumpre as negociações, desrespeita os proprietários dos terrenos, causando angústia e sofrimento à população.

Falta de abastecimento de água, poluição dos rios e do ar, barulho, interrupção do transporte escolar, falta de transparência por parte da empresa na relação com os atingidos são outros pontos críticos levantados pelas comunidades ouvidas. Elas noticiam ainda que a poeira produzida pelo elevado número de caminhões que trafegam na região tem causado diversos transtornos, que vão do prejuízo às atividades produtivas locais, a exemplo da criação de abelhas, até as ameaças à saúde, um vez que, de acordo com o relato dos representantes das comunidades, tem sido observado o aumento de doenças respiratórias, principalmente em relação às crianças que frequentam Escola Municipal de São José do Arruda, localizada no município de Alvorada de Minas, às margens da MG-10.

Outras preocupações apresentadas pelas comunidades dizem respeito a ameaças aos sítios arqueológicos, ao patrimônio histórico, à extinção da fauna na região. Um dos presentes disse que o macaco guariba, que era sempre encontrado na região, não é mais visto desde que foram intensificadas as atividades da mineradora.

Quilombolas - Também estiveram presentes na Audiência representantes das comunidades de Três Barras, Buraco e Cubas. Lembraram que em 2011, também em uma Audiência Pública, receberam, da Fundação Palmares, a certificação de comunidade descendente de quilombolas. Apresentaram como maior preocupação a expansão das atividades minerárias na região, temendo por seus territórios. Segundo relatam, outras mineradoras já estão fazendo sondagens e adquirindo terras. "As pessoas não são contra a mineração, mas a mineração às vezes é contra as pessoas, e respeito aos direitos humanos é essencial", afirmam.

Houve também a entrega de um abaixo assinado sobre a outorga de uso da água da bacia do Santo Antônio, à mineradora Manabi. Os assinantes requerem além de um exame cuidadoso dessa outorga, uma análise aprofundada sobre o cumprimento das condicionantes pela Anglo Ferrous.

Próximas Reuniões - Após as falas de todos os inscritos, O promotor de Justiça de Conceição do Mato Dentro, Almir Geraldo Guimarães agradeceu a todos pelo interesse em permanecer até o final da Audiência. Ressaltou a importância da participação da população local e anunciou que Ministério Público realizará uma série reuniões em cada uma das comunidades, com o intuito de, além de ouvir as demandas, buscar conjuntamente soluções para os problemas enfrentados. Encerou convidando a todos para a primeira dessas reuniões, agendada para o dia 17 de maio de 2012, na comunidade rural de Jassém, município de Alvorada de Minas.

Para acessar a ata da reunião, clique aqui.

Estudo revela os principais problemas

Para entender o caso, há um estudo, que pode ser acessado pelo link http://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/info.php?id=253, elaborado pelo Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerias, (GESTA-UFMG), parte da população local, ambientalistas e ONGs têm denunciando os impactos sociais, culturais e ambientais, assim como as irregularidades cometidas pelo empreendedor, sobretudo no que se refere aos impactos sobre os recursos naturais e as violações de direitos humanos da população local.

O estudo também relata, entre muitas outras questões, que a região do Município de Conceição de Mato Dentro está inserida na Reserva da Biosfera do Complexo da Serra do Espinhaço e se encontra em meio a dois importantes biomas, o da Mata Atlântica e o do Cerrado. Além disso, a região é caracterizada pelo relevo de mares de morros, gerados por processos de formação de solos tipicamente pertencentes às zonas tropicais úmidas, onde as rochas são ricas em minerais (minério de ferro, granito, ouro, diamante, etc.) e à presença e formação de lençóis freáticos. Os rios dessa região, desde o século 18, são reconhecidos por possuírem depósitos auríferos, registrando-se também a ocorrência de diamantes. Desde então, na região,deu-se seguimento a um ciclo de altos e baixos índices na exploração mineral (Sebrae-MG, 2000).

Segundo o estudo, o debate acerca da mineração é retomado diante do projeto Minas-Rio, da empresa Anglo Ferrous Minas-Rio Mineração S.A. O processo de licenciamento ambiental do empreendimento foi iniciado em 2007 pela empresa MMX - Minas Rio Mineração S.A. Em março de 2008, foi assinado entre MMX S.A. e o Governo de Minas um protocolo de intenções para investimentos no Estado. No entanto, a mineradora Anglo American assumiu o controle acionário da MMX em 2008 e, como consequência, adquiriu os direitos sobre o projeto, passando a ser denominada Anglo Ferrous Minas-Rio Mineração S.A. (Portal Montes Claros, 2010). Na negociação, a MMX obteve um lucro de aproximadamente R$ 5,5 bilhões (OCMAL, 2009).

O projeto prevê, também, a implantação de três estruturas complementares e associadas. Além do mineroduto (integrado ao porto marítimo situado em Barra do Açu - São João da Barra - RJ), há uma linha independente de transmissão de energia derivada da subestação da Companhia Energética do Estado de Minas Gerais (Cemig) na cidade de Itabira e uma adutora de água com captação no Rio do Peixe (bacia do Rio Doce), no município de Dom Joaquim, para fornecimento de água nova ao processo industrial, inclusive para o mineroduto (Sisema, 2008).

Assessoria de Comunicação do Ministério Público de Minas Grais - Núcleo de Imprensa - Tel.: (31) 3330-8016 (Cimos - cobertura de audiência pública em Conceição do Mato DentroNC)