domingo, 13 de maio de 2012


A agonia do governo Cabral: para entendê-la há de se olhar para além dos folguedos parisienses

Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 244 da Revista Somos Assim
Agora que a blindagem política tão caramente alimentada pelo governador Sérgio Cabral está aos frangalhos, por culpa de sua propensão ao exibicionismo, diga-se de passagem, talvez tenhamos a oportunidade de passar a limpo um dos aspectos mais minimizados de sua administração. O fato é que, salvo poucas vozes dentro da Assembléia Legislativa, do Judiciário e dos sindicatos de servidores, a opção preferencial de Sérgio Cabral por uma relação para lá de harmoniosa com grandes corporações agindo no Rio de Janeiro vinha sendo propositalmente negligenciada por todos que deveriam escrutinizar suas práticas como governante. E aqui há também de se incluir a mídia corporativa, cuja propensão a passar a mão na cabeça de Sérgio Cabral chega a saltar aos olhos.

O fato é que se o governante fosse outro (Anthony Garotinho, por exemplo), bastaria lembrar as inúmeras viagens ao exterior, os súbitos desaparecimentos em meio a momentos críticos, ou mesmo a evolução dos contratos milionários que o escritório de advocacia da primeira-dama Adriana Ancelmo mantém com concessionárias de serviço públicos, para que o comportamento de Sérgio Cabral já tivesse sido olhado com uma lupa mais potente. Mas não foi o que se viu, e graças a esta boa vontade exagerada de todos aqueles que deveriam garantir que relações pessoais não controlassem, por exemplo, a concessão de contratos milionários sem licitação, agora desembocamos no escândalo envolvendo Sérgio Cabral e a Construtora Delta. Os aspectos mais evidentes da contaminação da administração pública por relações pessoais já foram publicizados ao exagero através de imagens vindas, muito provavelmente, da câmera fotográfica do proprietário da Delta. Mas o maior problema é muito menos o que já se viu, mas muito mais aquilo que ainda continua submerso, esperando que o maior interessado no desgaste de Sérgio Cabral (Anthony Garotinho, é claro) se disponha a torná-las públicas ao seu bel prazer e interesses.

Um dos elementos que já emergiram e que dão conta de como Sérgio Cabral pode ser apenas o pato que nada na lagoa na eminência de ser abatido por um bando de ávidos caçadores é o aventado envolvimento direto do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva num processo cujo objetivo seria garantir a venda da Construtora Delta para, alegadamente, salvaguardar o cumprimento do cronograma das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O mais incrível disto é que a principal candidata a adquirir a Delta é uma empresa que opera no setor de carnes, a JBS-FRIBOI. E como o montante da operação certamente alcançará as centenas de milhões, é quase certo que ainda veremos o BNDES bancando os custos da salvação da Delta. Neste caso, a blindagem de Sérgio Cabral pode se tornar desnecessária, já que seu próprio papel de avalizador das operações envolvendo a empresa do seu até recentemente amigo Fernando Cavendish se tornará irrelevante.

Mas é justamente nas aparentes saídas ora sendo engendradas para evitar que a derrocada da Construtora Delta respingue nos planos estratégicos do governo federal que temos o verdadeiro problema. Se aceitarmos passivamente que mais uma vez os cofres públicos sejam utilizados, como já foram na época em que o sistema financeiro precisou ser resgatado pelo governo FHC, a exposição e degradação pública de personagens deslumbrados como Sérgio Cabral nada resolverão.

Entretanto, no que se refere aos interesses específicos da população do Rio de Janeiro, há de haver uma cobrança explícita dos órgãos fiscalizadores para que não fique pedra sobre pedra, e que toda a verdade venha à tona. Afinal de contas, não custa nada lembrar que enquanto Sérgio Cabral e seus amigos faziam festas nababescas em Paris, muitos cidadãos pobres morriam nas filas de hospitais públicos. Também é igualmente fato que diferentemente de Cabral, que pode frequentar áreas VIP de shows de bandas como o U2, hoje os moradores de comunidades pobres da cidade do Rio de Janeiro estão impedidos pela Polícia Militar de realizarem atividades mínimas de lazer, sob pena de serem agredidos de forma violenta e injustificada. E olha que isto poderá piorar quando o Exército se retirar das ruas em função do alto custo a que está sendo submetido para fazer algo que nem lhe é constitucionalmente delegado.

Por outro lado, não há como deixar de recordar o fato de que o governo capitaneado por Sérgio Cabral expulsou sumariamente dezenas de policiais e bombeiros militares pelo simples fato de terem reivindicado a melhoria de seus salários, que estão entre os piores do Brasil. Se pararmos para pensar na situação das famílias desses servidores, não há como não sermos tomados por um sentimento de profunda indignação. Afinal de contas, o que policiais e bombeiros estavam demandando era simplesmente o direito de manterem suas famílias em condições dignas. Agora que se sabe que alguns bilhões dos cofres estaduais foram utilizados para irrigar generosamente os cofres de uma empresa cujo proprietário era participante contumaz de alegres festas com Sérgio Cabral, a expulsão dos policiais e bombeiros é que aparece como o verdadeiro escândalo. E exigir a reintegração dos expulsos uma obrigação de todos.