terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Jornal BRASIL DE FATO publica matéria sobre salinização no Açu


O jornal BRASIL DE FATO, um semanário que possui circulação nacional, publicou em seu último número de 2013, uma matéria que trata dos efeitos do licenciamento Fast Food sobre a situação ambiental no V Distrito de São João da Barra, especificamente na questão da salinização.



Licenciamento ambiental tipo fast food

Empreendimento do grupo de Eike Batista causa processo de salinização de água e solo no norte-fluminense

Marcos Antonio Pedlowski

A construção do Complexo Industrial-Portuário do Açu (Cipa), empreendimento privado do Grupo EBX de Eike Batista, está se notabilizando pela criação de um cenário bastante diferente daquilo que foi propalado aos quatro ventos. Além de sua implantação estar sendo acompanhada por fortes controvérsias devido à desapropriação de centenas de famílias de agricultores e pescadores que habitavam desde várias gerações a região do 5º Distrito de São João da Barra, no norte do estado do Rio de Janeiro, o empreendimento também tem estado associado a violações de direitos trabalhistas. O elemento mais recente que chegou para completar essa tríade de elementos negativos foi a confirmação de que obras associadas à construção do superporto do Açu estão causando um rápido e agudo processo de salinização das águas e solos na região de entorno ao empreendimento.

As primeiras evidências de que os termos de ajuste contidos nas licenças ambientais emitidas em tempo recorde pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) do Rio de Janeiro não estavam sendo cumpridas pelo empreendedor apareceram nos campos cultivados e pastagens pelos agricultores que ainda não foram expulsos de suas terras. O primeiro problema a ser detectado foi que em diversos pontos do 5º Distrito, os plantios de abacaxi e quiabo começaram a morrer, enquanto as pastagens secavam. Além disso, as águas fornecidas pela Prefeitura Municipal de São João da Barra também passaram por modificações de cor e sabor, o que levantou suspeita sobre sua qualidade. Este processo rapidamente despertou a atenção da Associação de Proprietários de Imóveis e Agricultores de São João da Barra (Asprim), que então procurou os pesquisadores do Laboratório de Ciências Ambientais (LCA) da Universidade Estadual do Norte Fluminense, já que há anos o LCA realiza pesquisas na faixa de restinga e nas diversas lagoas costeiras que existem naquela porção do litoral norte fluminense.

A partir das primeiras amostras de água coletadas pelos pesquisadores do LCA ficou demonstrado que de fato havia um processo de aumento da condutividade elétrica nas águas do 5º Distrito. Este dado é importante pelo fato da condutividade elétrica ser um indicador básico a partir do qual pode se estimar a quantidade de sais dissolvidos em uma dada solução líquida. Num dos pontos de coleta, uma área de pastagem na localidade de Água Preta, foi encontrada uma condutividade de 41.000 uS/ cm que é a mesma da água do mar. Este valor é especialmente alarmante já que a água de irrigação que tenha condutividade elétrica maior que 300 uS/cm pode levar à salinização dos solos. Outro aspecto grave que surgiu a partir das coletas feitas pelos pesquisadores da Uenf foi a determinação que a água fornecida pela Prefeitura de São João da Barra em pelo menos duas localidades apresentou valores condutividade entre 540 a 700 uS/cm. Apenas à guisa de esclarecimento, é preciso lembrar que segundo a legislação vigente no Brasil, a condutividade das águas utilizadas para consumo humano deve variar entre 60 a 145 uS/cm.

A primeira reação tanto do Grupo EBX como da Prefeitura Municipal de São João da Barra foi a de negar que a construção do Cipa está resultando num processo de salinização de águas e solos no 5º Distrito. Logo que a situação da salinização começou a ser divulgada, a idoneidade e capacidade científica dos pesquisadores da Uenf passaram a ser questionadas publicamente em São João da Barra. Em função disto, os pesquisadores do LCA fizeram um processo de amostragem em diversos pontos do 5º Distrito visando realizar um cálculo da variação histórica da condutividade elétrica das águas naquela região e os resultados foram bem reveladores. No caso da Lagoa de Iquipari, onde uma das pesquisadoras do LCA, Marina Suzuki, vem trabalhando há mais de uma década, a série histórica mostra que ocorreu um grande crescimento nos valores médios de condutividade, a saber: em 1996 foi de 2.910 μS/cm; de 2011 até abril de 2012 foi de 4.840 μS/ cm, enquanto que entre outubro e novembro de 2012 o valor encontrado foi de 24.890 μS/cm. Os dados relativos à variação histórica da condutividade desmentem um argumento que está sendo divulgado pelo Grupo EBX, qual seja, que o processo de salinização é natural naquela região em função da proximidade do oceano.

O fato é que o excesso de sais que foi detectado nos estudos da Uenf provavelmente provém da areia retirada do mar que está sendo depositada no interior do continente, bem como da água do mar que está adentrando a região em função da abertura de um canal de acesso a um estaleiro que está sendo construído pela empresa OSX dentro do Cipa. Um aspecto particularmente preocupante foi a detecção de áreas onde a vegetação não está mais tolerando estes níveis altos de condutividade, e já começou a morrer. Além disso, em áreas mais secas também está sendo notada a precipitação dos sais na superfície dos sedimentos, num processo que pode tornar os solos estéreis, tornando a agricultura e a pecuária impraticáveis.

Um ator deste drama em desenvolvimento que vem se mantendo estranhamente silencioso é o Inea que agiu de forma bastante expedita para emitir as licenças ambientais dentro do que se convencionou chamar de “Licenciamento Ambiental Fast Food”. Aliás, uma das principais características desta modalidade expedita de licenciamento ambiental foi a fragmentação do processo de emissão de licenças para as distintas unidades industriais que deveriam compor o Cipa. Isto implicou não apenas na aceleração da emissão das licenças ambientais, mas também um completo desconhecimento sobre as emissões acumuladas de todo o empreendimento. Não obstante, agora que o problema da salinização se tornou inegável, o Inea simplesmente desapareceu de cena, deixando claro o descompasso entre a celeridade de emitir licenças e a capacidade de impor o cumprimento dos procedimentos que impeçam a ocorrência de graves impactos ambientais.

Resistência

Em contraponto à omissão do Inea, a questão da salinização serviu para reenergizar os agricultores que continuam resistindo ao processo de expropriação de suas terras por parte do governo do Rio de Janeiro. Assim é que, no dia 18 de Dezembro, a Asprim promoveu um bloqueio da estrada de acesso ao Porto do Açu que durou várias horas tendo como questão central a luta contra a desertificação de seu território. Na manifestação, também foi apresentada a exigência da revisão dos decretos de desapropriação de suas terras. Esta junção de demandas políticas demonstra que os agricultores e pescadores do V Distrito entendem perfeitamente a estreita relação que existe entre a defesa de suas terras com a da luta contra a degradação ambiental causada pela construção do Cipa. Tal capacidade de entender um processo bastante complexo é que acabará colocando em xeque o modelo neodesenvolvimentista que está sendo alimentado pelos bilhões de reais oferecidos ao Grupo EBX pelo governo federal com taxas de juros para lá de camaradas. E uma coisa é certa: em 2013 os enfrentamentos tenderão a se aprofundar, dado que todos os elementos para isto estão sendo postos, inclusive o sal que já recobre parte das terras do Açu.

Marcos Antonio Pedlowski é professor do Laboratório de Ciências Ambientais da Uenf, PhD em Planejamento Regional pela Virginia Polytechnic Institute and State University e pesquisador do INCT CNPq- TMOcean.