terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Nem um minuto de silêncio: Brasil de Fato noticia a morte de Cícero Guedes

Movimento cobra rapidez na investigação de morte de líder sem-terra e ganha apoio do governo e da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Le­gislativa do Rio de Janeiro 


Vivian Virissimo,
de Campos dos Goytacazes (RJ)

Cícero Guedes, da coordenação estadual do MST e líder do acampanhamento
Luiz Maranhão, localizada em Campos de Goytacazes (RJ) 
- Foto: Marcos Pedlowski 


Cantorias, místicas e protestos mar­caram o enterro do militante do Movi­mento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Cícero Guedes, no último dia 26. Autoridades, assentados e mili­tantes sociais e políticos participaram do ato em homenagem à liderança assas­sinada em emboscada com doze tiros, na madrugada de sexta-feira, em Cam­pos dos Goytacazes (RJ). “A cada com­panheiro tombado, nem um momento de silêncio, mas toda uma vida de luta”, bradavam os presentes sob forte emo­ção. Ele fazia parte da coordenação esta­dual do movimento e era líder do acam­pamento Luiz Maranhão, localizado no parque industrial da Usina Cambahyba, fazenda nacionalmente conhecida por ter servido para incineração de corpos de políticos mortos e torturados por agentes da ditadura civil-militar brasileira. 

“O grande responsável pelo assassina­to de Cícero é o latifúndio de Campos. O MST não vai abrir mão de fazer, todos os dias, a luta pela terra. É bom que todos saibam que o MST vai pressionar as au­toridades e a polícia até o dia de colocar esses bandidos assassinos na cadeia. Ti­raram a vida do Cícero, mas não vão nos amedrontar de organizar as famílias e ocupar os latifúndios improdutivos. Nós não vamos cruzar os braços e descansar até que não haja mais nenhum sem terra nessa cidade rica e de tantos trabalhado­res miseráveis. Como o Cícero sempre di­zia: ‘Rebeldia necessária pra fazer refor­ma agrária’”, defendeu Marina dos San­tos, da coordenação estadual do MST. 

Muito abalados pelas circunstâncias do crime, a companheira de Cícero, Ma­ria Luciene e os filhos garantiram que vão continuar tocando o Sítio Brava Gen­te que sempre foi referência em agroeco­logia. O filho Getúlio garantiu que a luta de Cícero pela reforma agrária segue firme e forte. “O sonho dele era ajudar todos vocês. Ele morreu por uma causa que ele sempre acreditou. Se ele estivesse aqui tenho certeza que ele gritaria: ‘MST, a luta é pra valer’”, falou Getúlio, muito aplaudido. Do velório ao último momen­to, as músicas preferidas de Cícero foram cantadas tornando tudo ainda mais co­movente. Para cobrar celeridade nas in­vestigações, a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, Maria do Rosário, designou o conselheiro fe­deral da Ordem dos Advogados do Bra­sil (OAB), Wadih Damous, para acompa­nhar o caso. “A situação da disputa fun­diária na região de Campos dos Goytaca­zes e São João da Barra tem sido agra­vada pela morosidade na tramitação de processo judiciais que envolvem imóveis considerados improdutivos e, portanto, passíveis de desapropriação para a refor­ma agrária”, criticou a ministra em no­ta. O representante da Ouvidoria Agrá­ria Nacional, Marcelo Nicolau, encami­nhou nesta segunda-feira (28) ofício ao delegado responsável pelo caso, Geraldo Assed, pedindo proteção às famílias, agi­lidade na investigação e se colocando à disposição para qualquer apoio que a Po­lícia Civil necessite. 

O dirigente do MST Marcelo Durão participou também nesta segunda-feira (28) de uma reunião com a chefe da Polí­cia Civil, delegada Marta Rocha, na qual esteve presente o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Le­gislativa do Rio de Janeiro (Alerj), o de­putado estadual Marcelo Freixo (Psol). “A delegada assumiu o compromisso de cobrar agilidade na apuração e investi­gação dos fatos o mais rápido possível”, informou Durão. Também presente no ato e no enterro de Cícero, Freixo garan­tiu apoio do mandato para o movimen­to de forma absoluta. “No Brasil, convi­vemos com o latifúndio, com a escravi­dão e a barbárie. Em homenagem a Ci­cero vamos seguir lutando pela reforma agrária e pela dignidade desse povo”, disse Freixo. 

O ato político organizado pelo MST contou com a participação do presiden­te do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Carlos Gue­des de Guedes. “Cícero é uma perda ir­reparável para a luta da reforma agrária. Em nome do ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, e dos servi­dores públicos do Incra, garantimos que honraremos os compromissos que assu­mimos com o Cícero”, disse. A coordena­dora regional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Viviane Ramos, pediu que a reforma agrária entre na agenda polí­tica do governo. “Cícero teve que morrer para que Usina Cambahyba entrasse na agenda do governo. Esperamos que a reforma agrária seja tomada como política pública para garantir soberania alimen­tar, uma vez que são os camponeses que garantem 70% dos alimentos no Brasil”, denunciou. 

História

A história de vida de Cícero impressio­na. Pai de cinco filhos, o alagoano come­çou a trabalhar aos 8 anos como cortador de cana em situação análoga à escravi­dão. Para fugir das condições desumanas de sua terra natal, ele migra para o Rio de Janeiro mas, sem alternativas, vol­ta ao canavial para trabalhar novamente em situação semelhante à escravidão. Cí­cero e sua família só conseguem se liber­tar dessa situação quando o MST come­ça a se organizar na região para ocupar a primeira fazenda improdutiva em 1996. Seis anos depois de viver embaixo da lo­na preta, ele garante seu lote de terra no maior assentamento do estado, o Zumbi dos Palmares. “Cícero foi vítima do tra­balho escravo no nordeste do país e em Campos. Quando o movimento chega, ele se envolve na ocupação Zumbi dos Palmares. Mas depois ele vira um grande militante encampando a bandeira da reforma agrária para todos neste país. So­lidário, ele queria terra para todos, não queria só para ele”, disse a professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Ana Costa, do Comitê Popular de Erradi­cação do Trabalho Escravo, do qual Cíce­ro também fazia parte. 

Referência em agroecologia, Cícero ex­trapolava os limites do assentamento e compartilhava seus conhecimentos da lida com os professores e estudantes da Universidade Estadual do Norte Flumi­nense (Uenf) e da UFF. Não era raro ele participar de atividades na universidade, nem mesmo estudantes passarem as tardes conhecendo o assentamento e em es­pecial a produção do seu pedaço de terra. “Se a universidade brasileira pretender ter o mínimo de papel transformador na realidade, ela tem que entender que fo­ra dos caminhos formais há possibilida­de de acumulação do conhecimento tam­bém e, muitas vezes, esse conhecimento se prova tão ou mais importante que o produzido na academia. Cícero era uma prova viva disso. Ele era uma pessoa in­teligente, capaz de evoluir e causar evolu­ção porque os estudantes que se aproxi­maram dele se beneficiaram muito e saí­ram pessoas mais conscientes do limite dos seus conhecimentos formais”, disse o professor do curso de Ciências Sociais da Uenf, Marcos Pedlowski. 

Cícero acompanhava todas as áre­as que estavam na luta pela terra na re­gião de Campos. Ele atuava nos diver­sos assentamentos e era responsável pe­lo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do governo federal. Na ocupação de Cambahyba, ele planejou todo o processo de organização das famílias. Cíce­ro também era organizador e entusiasta das Feiras da Reforma Agrária do MST que acontecem no Largo da Carioca, no centro do Rio, com a venda de verduras e frutas livres de agrotóxicos. “Realizar mais feiras é um desafio e desafio é pra ser cumprido. Tudo pra nós é desafio, es­tamos acostumados com essa situação. Esse negócio de veneno é uma babaqui­ce desses filhos da puta. O capitalismo é cruel e devasta tudo. Não tem esse negó­cio de remédio, é veneno mesmo e vene­no mata”, dizia. O assassinato de Cícero repercutiu internacionalmente. O MST do Rio de Janeiro recebeu notas de soli­dariedade de partidos, organizações, mo­vimentos e sindicatos de Moçambique, Espanha, México, Guatemala, Chile, Ar­gentina, Costa Rica, entre outros.