quarta-feira, 13 de março de 2013

A novela dos royalties: enredo mistura incompetência, traição e paralisia política


Marcos Pedlowski, artigo publicado inicialmente no site da Revista Somos Assim

A atual crise em torno da política de distribuição dos royalties do petróleo não deveria estar surpreendendo ninguém. Afinal de contas, desde o governo Lula os estados não produtores vinham se organizando para avançar sobre os recursos decorrentes da extração do petróleo. Assim, como é que os estados produtores foram pegos de calça curta num processo que promete inviabilizar dezenas de municípios e causar estragos consideráveis nas economias do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo?

A primeira explicação para o problema está nas relações extremamente próximas que o governador fluminense, Sérgio Cabral, sempre manteve com o ex-presidente Lula e com a presidente Dilma Rousseff. Assim, mesmo em face de claras manobras dentro do Congresso Nacional para aprovar leis que previam mexer inclusive em contratos antigos, Cabral preferiu apostar em suas boas relações com o governo federal a propor uma discussão que viabilizasse uma resposta estratégica à ameaça que pairava sobre seu governo e, por extensão, a todo o povo fluminense. Em segundo lugar, nunca houve um esforço sincero por parte dos dirigentes partidários em superar suas diferenças pessoais para defender os interesses do Rio de Janeiro. Dessa forma, em cada momento que marcou este processo, personagens como Sérgio Cabral, Anthony Garotinho e Lindbergh Farias preferiram atuar de forma a fortalecer suas posições individuais, e nunca se engajaram num esforço sério de trabalhar conjuntamente em defesa dos royalties.

Um terceiro elemento que me parece fundamental é que em face de tanto descalabro e evidências de corrupção, o grosso da população fluminense (e suspeito também da capixaba e da paulista) nunca se sentiu sensibilizado a tratar o problema dos royalties como se fosse algo pertinente. Aliás, muito pelo contrário, pois em muitas caminhadas pelo centro da cidade de Campos, o que mais ouvi de muitas pessoas foi a vontade de que os recursos dos royalties fossem retirados para acabar com um sentimento dominante de que boa parte daqueles bilhões de royalties estavam sendo desperdiçados. Esta percepção foi muito bem utilizada pelos defensores da nova política de distribuição, pois contavam com a falta de apoio popular para evitar possíveis medidas de retaliação por parte dos estados produtores de petróleo. A esta falta de suporte popular para a luta pela manutenção da política vigente de distribuição dos royalties se soma a falta de disposição dos governantes e opositores de apostarem numa mobilização real da população. Assim, em vez de preparar uma verdadeira reação de base à mexida na legislação, ao que vínhamos assistindo era a repetição de um simulacro de mobilização popular em defesa dos royalties com claras tinturas partidárias, que variavam apenas em função do local em que elas ocorriam e de quem as organizava. No caso de Sérgio Cabral, as poucas manifestações realizadas chegaram a um nível tal de despolitização que as falas de lideranças estaduais foram substituídas pela de personagens televisivos.

Um quarto elemento que reflete e sintetiza boa parte dos anteriores foi a substituição da esfera política pela judicial. Ao optar por ações judiciais para bloquear o andamento da matéria num primeiro momento, e agora para invalidar a votação, o caminho escolhido reflete a incapacidade das lideranças políticas fluminenses em superar suas diferenças e atuar de forma efetiva para politizar a discussão. Além disso, a aposta na via judicial impede a colocação da população como protagonista de um eventual processo de reação. Neste caso, caímos na repetição de uma opção por um discurso que é belicista na forma, mas inócuo na prática. O fato é que dificilmente o Superior Tribunal Federal vai se intrometer na esfera legislativa, mesmo porque as alegações de violação da norma constitucional são consideradas frágeis por muitos juristas, colocando a aposta jurídica num campo de fortes incertezas.

Por último, é preciso afirmar claramente que o discurso adotado pelo governo do Rio de Janeiro, no qual ameaça adotar uma série de medidas de retaliação, beira o ridículo. Tanto isto é verdade que fontes do governo federal que foram abordadas pela imprensa para responder às ameaças de Sérgio Cabral as trataram quase na forma de pilhéria. Afinal, dadas as estritas condições fiscais com que o governo federal controla o funcionamento da economia brasileira, qualquer atraso de pagamentos incorre automaticamente na suspensão de créditos e aplicação de pesadas multas aos eventuais caloteiros. Assim, até porque o corte financeiro imposto pela nova lei de distribuição dos royalties será pesado, o Rio de Janeiro não poderá se arriscar a ficar na lista de inadimplentes.

Agora o que é que nos resta diante de um cenário que se mostra como praticamente irreversível? Uma primeira coisa a ser feita é rejeitarmos a imposição de um cenário de caos em que as responsabilidades pelo problema ficam dissolvidas. Em segundo lugar, é preciso cobrar um aumento da transparência no uso dos recursos que sobrarem, caso a nova distribuição prevaleça, já que, apesar de todos os cortes, muito dinheiro ainda chegará aos cofres públicos por conta dos royalties do petróleo, e é preciso cobrar que seja feito um uso melhor e mais transparente dos mesmos. Sem isto, assistiremos à repetição dos mesmos erros, apenas em menor escala, já que agora a fonte vai diminuir ou secar. Com ou sem as lágrimas crocodilianas de Sérgio Cabral.