domingo, 10 de março de 2013

MST denuncia funcionários do Incra e policiais





Manifestação pede agilidade da Justiça na imissão de posse



Em Campos: Quatro produtores rurais ligados ao MST foram assassinados nos últimos 10 meses
Cláudia dos Santos

A luta contra a desigualdade social, que resultou nos últimos dois anos no assassinato de quatro trabalhadores rurais em Campos, provocou revolta por todo país e até no exterior. O assassinato brutal do líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Cícero Guedes dos Santos, na noite do dia 25 de janeiro deste ano, parece ser o marco de uma batalha que foi travada desde as senzalas, quando grandes produtores de cana-de-açúcar da região fundaram suas raízes na escravidão da população negra e pobre. Os conflitos agrários e suas vítimas serão tema de uma audiência da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, presidida pelo ouvidor Agrário Nacional, desembargador Gercino da Silva Filho, a ser realizada em Campos. Na mesma ocasião, o movimento pretende apresentar denúncia, já protocolada no Ministério Público (MP), contra funcionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e policiais militares por coação a assentados do Zumbi dos Palmares.

O evento, que deve acontecer entre o final deste mês e início de abril, no Instituto Federal Fluminense (IFF), traz à região ainda representantes das secretarias Geral da República e Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e Ouvidoria Agrária Nacional (OAN). Na última quarta-feira, o delegado federal do Ministério do Desenvolvimento Agrário do Estado do Rio de Janeiro (MDA-RJ) José Otávio Fernandes esteve em Campos para verificar o andamento das investigações do assassinato de Cícero e dos integrantes do MST, os produtores rurais Regina dos Santos Pinha, 56 anos; Antônio Carlos Biazini, 45, e Joais da Silva Rocha, 25. Estes dois últimos foram assassinados em novembro do ano passado.

O delegado federal do MDA-RJ explicou que um ofício foi encaminhado ao desembargador Gercino solicitando o agendamento da audiência. A pauta a ser apresentada pelos coordenadores do evento inclui ameaças sofridas por alguns trabalhadores em acampamentos, como no Nossa Senhora do Aré, no município de Itaperuna, na Região Noroeste Fluminense. “Essa questão de segurança envolve toda a sociedade e os poderes públicos municipal, estadual e federal, por isso, em breve vamos fazer uma ampla divulgação. A partir dessa audiência tomaremos várias medidas, não só no sentido de preservar vidas, como também, conter a violência no campo e avançar no processo de Reforma Agrária em Campos e nas regiões Norte e Noroeste Fluminense. Vamos chamar os vereadores e a prefeita. É importante que eles estejam presentes”, ressaltou José Otávio.

Cerca de 1,5 mil famílias à espera de terras

Na última quinta-feira, integrantes do MST fizeram uma manifestação em frente à sede da Justiça Federal, na Praça do Santíssimo Salvador, no Centro, em Campos. O movimento teve como objetivo principal exigir que a Justiça faça a imissão de posse das terras da Fazenda Cambaíba, na Baixada Campista, para fins da Reforma Agrária. Integrantes do MST sustentam que “as terras de Cambaíba não vão servir mais para plantar cana-de-açúcar porque essas famílias querem a terra que elas têm direito à terra e assim construir uma nova história”.

Segundo a coordenadora estadual do MST, Marina dos Santos, na região existem 14 assentamentos, num total de 1,5 mil famílias. São oito acampamentos ao todo, o equivalente a 800 famílias que aguardam a desapropriação. Em processo de imissão de posse estão as fazendas Cambaíba e o Arroz Dourado, onde está o acampamento Madre Cristina, localizado entre Campos e São Francisco de Itabapoana.

Denúncia - Ao falar sobre a violência nos acampamentos, Marina esclareceu que Campos é o município do Estado do Rio com maior concentração de terras e tem história de trabalho escravo.


“Em 2009 a Organização Internacional do Trabalho detectou maior concentração de trabalho escravo em Campos. Esse histórico, somado à omissão do poder público em não cumprir à Constituição Brasileira, que determina que toda terra improdutiva deve ser destinada para Reforma Agrária, isso faz com que os grupos herdeiros das usinas tenham enraizada à cultura da jagunçagem e pistolagem”.

“Há várias denúncias no Ministério Público Federal (MPF), na Polícia Federal (PF) e no Incra sobre a venda de lotes de terra do Assentamento Zumbi dos Palmares, que está muito bem localizado. Com esse crescimento da especulação imobiliária que tem aqui, há muitos interesses em jogo. Há agentes da Polícia Militar envolvidos. Há claramente o envolvimento de integrantes do Incra na região. Esses grupos que têm interesse nas terras ameaçam as famílias. A sociedade de Campos tem que pressionar o MPF e PF para investigar essas denúncias. Tem que prender esse tipo de gente, que impede o desenvolvimento do assentamento e ainda ameaça as famílias”, finalizou Marina. Ainda esta semana o MPF e PF estarão se posicionando quanto ao assunto.

Neto de escravos, vítima era de alagoas

Neto de escravos, Cícero Guedes era alagoano, começou a trabalhar aos oito anos como cortador de cana em situação similar à escravidão. Ao migrar para o Rio de Janeiro, ele voltou a trabalhar em canavial. Cícero e sua família só conseguiram se libertar dessa situação quando o MST começou a se organizar na região para ocupar a primeira fazenda improdutiva em 1996, que hoje é o Zumbi dos Palmares, maior assentamento do Estado.

Além de integrar o Comitê Popular de Erradicação do Trabalho Escravo, Cícero também era organizador e entusiasta das Feiras da Reforma Agrária do MST que acontecem no Largo da Carioca, no centro do Rio, com a venda de verduras e frutas livres de agrotóxicos.

O assassinato de Cícero repercutiu internacionalmente. O MST do Rio de Janeiro recebeu notas de solidariedade de partidos, organizações, movimentos e sindicatos de Moçambique, Espanha, México, Guatemala, Chile, Argentina, Costa Rica, entre outros. “Ele era uma espécie de Chico Mendes aqui no Rio de Janeiro”, opinou José Otávio.