sexta-feira, 15 de março de 2013

Pesticidas, comida-lixo, diabetes e Alzheimer


Estudo sugere ligação entre exposição a agrotóxicos e desenvolvimento de diabetes tipo 2. Em sua coluna de março, o biólogo Jean Remy Guimarães comenta a pesquisa e evidências crescentes das relações estreitas entre essas substâncias e doenças crônicas.

Por: Jean Remy Davée Guimarães

Estudo realizado com 386 pacientes adultos aponta relação direta entre os níveis de resíduo de pesticidas no tecido adiposo e desenvolvimento de diabetes, independentemente de idade, sexo e peso corporal.


A relação epidemiológica entre o uso de pesticidas e a crescente incidência de males como câncer, problemas hormonais e reprodutivos, entre outros, é cada vez mais clara. Mas novos estudos têm apontado uma nova e incômoda conexão, desta vez entre pesticidas e diabetes tipo 2, o que poderia explicar, ao menos parcialmente, as proporções epidêmicas que essa doença vem assumindo em escala global.

A edição de janeiro da Environmental Research traz um estudo de Arrebola e colaboradores, da Universidade de Granada, Espanha, que é, ironicamente, uma bomba. A equipe dosou resíduos de diversos pesticidas no tecido adiposo de 386 pacientes adultos em dois hospitais do sul do país e concluiu que os pacientes com maiores níveis de DDE (um produto da degradação do DDT) tinham quatro vezes mais probabilidade de ter diabetes tipo 2.

Os autores observaram ainda que um dos componentes do popular pesticida Lindano também favorece o surgimento do diabetes tipo 2. A relação direta observada entre os níveis de poluentes orgânicos persistentes e o desenvolvimento de diabetes era independente da idade, sexo ou peso corporal do paciente.

Segundo os pesquisadores, o acúmulo desses poluentes lipofílicos na gordura corporal poderia explicar por que os obesos têm maior tendência a desenvolver diabetes. Não se sabe ao certo o mecanismo envolvido, mas os autores sugerem que os pesticidas provocam uma reação imunológica em receptores de estrogênio envolvidos no metabolismo dos açúcares.



Monitor de açúcar no sangue e caneta injetora de insulina usados por diabéticos. Pesquisa sugere que o acúmulo de poluentes lipofílicos (como componentes de pesticidas) na gordura corporal poderia explicar a maior tendência de obesos a desenvolver diabetes. (foto: Karen Barefoot/ Sxc.hu)


As autoridades de saúde estimam que, em 2030, cerca de 4,5% da população mundial será diabética. Atualmente, cerca de 346 milhões de pessoas sofrem da doença, enquanto 35 milhões são acometidos pelo Alzheimer. As duas condições geram muito sofrimento e elevado custo social.


Correlações perturbadoras

Se você já estava se perguntando o que diabetes têm a ver com meio ambiente, a menção ao Alzheimer talvez aumente a confusão.

Mas, justamente, diabetes, Alzheimer e obesidade estão aumentando exponencialmente e com correlações perturbadoras entre elas. Da mesma forma, a disseminação da junk-food (comida-lixo) e da agricultura industrial regada a pesticidas que a sustenta andam juntas.

Ok, pesticidas/junk-food e obesidade/diabetes já são binômios quase familiares para aqueles que leem as magras seções de ciência da grande imprensa, mas a insistência do Alzheimer em se meter em estatísticas onde não foi chamado já intrigava os cientistas há algum tempo, a ponto de esses começarem a buscar uma relação causal entre essa doença, o diabetes e a obesidade.
Mas... e se o Alzheimer fosse, como o diabetes, uma doença metabólica, associada ao (des)desequilíbrio hormonal e, portanto, induzível por pesticidas?

Já se sabia que há uma forte associação entre diabetes, obesidade, dieta, demência e Alzheimer. Pessoas que sofrem de diabetes têm probabilidade 2 a 3 vezes maior de desenvolver Alzheimer do que a média da população. A conexão obesidade-Alzheimer é menos estudada, mas sabe-se que a obesidade em idade madura predispõe ao Alzheimer e que uma vida ativa e dieta saudável reduzem a ocorrência de demência.

Mas... e se o Alzheimer fosse, como o diabetes, uma doença metabólica, associada ao (des)desequilíbrio hormonal e, portanto, induzível por pesticidas, entre outros disruptores endócrinos? Isto poderia explicar as correlações observadas. As evidências nesse sentido são tantas que muitos especialistas já defendem que o Alzheimer seja considerado como um diabetes tipo 3, pois vários estudos sugerem que o Alzheimer seria uma consequência de perturbações na resposta do cérebro à insulina.

Esta, além de regular o metabolismo do açúcar, tem papel bem definido na química cerebral, modulando a troca de sinais entre neurônios e atuando no aprendizado e na memória, bem como na manutenção dos vasos sanguíneos que irrigam o cérebro.

Tomografia de um cérebro humano com Alzheimer. Pessoas que sofrem de diabetes têm maior probabilidade de desenvolver a condição. Especialistas defendem, inclusive, que o Alzheimer seja considerado um diabetes tipo 3, pois há evidências de que seria uma consequência de perturbações na resposta do cérebro à insulina. (imagem: NHI/ Wikimedia Commons)

Eu achava que o sistema hormonal funcionava, por analogia, como uma orquestra em que o som produzido por um instrumento influencia o som de todos os outros, e vice-versa. Já era complicado o bastante, mas escrever esta coluna me ensinou que a imagem mais correta seria a da mesma orquestra, mas com cada músico tocando vários instrumentos ao mesmo tempo, e todos os sons se influenciando mutuamente. Agora imagine se colocarmos pó-de-mico na gola dos músicos... É o que ocorre quando um disruptor endócrino é absorvido por inalação, ingestão ou via cutânea.

Portanto, se você achava que por ser um urbanoide não-obeso, que gasta boas quantias em alimentos orgânicos, você estaria a salvo, pode tirar o cavalinho da chuva: os pesticidas são apenas uma das várias categorias de disruptores endócrinos, e a dieta é apenas uma das vias de exposição aos pesticidas.


Equacionando prós e contras

E a junk-food, onde entra nisso tudo? O X-tudo com fritas e o rodízio de salgadinhos já era apontado como fator de desenvolvimento de Alzheimer devido à redução de irrigação sanguínea causada pelo colesterol e aumento da pressão sanguínea, mas os estudos mais recentes sugerem que alimentos com muito açúcar e gordura podem danificar o cérebro por interromper seu suprimento de insulina.

A ingestão excessiva de alimentos com muito açúcar e gordura já era apontada como fator para o desenvolvimento de Alzheimer – devido à redução de irrigação sanguínea causada pelo colesterol e aumento da pressão sanguínea. Estudos mais recentes sugerem que estes podem também danificar o cérebro por interromper seu suprimento de insulina. (foto: David Boylan/ Sxc.hu)

Naturalmente, como sempre, mais estudos são necessários etc. etc., mas se as relações causais aqui descritas forem confirmadas, será uma ótima notícia. É uma esperança de melhores tratamentos para os que já sofrem com esses males e de melhores prognósticos para os ilesos até aqui.

É também um exemplo que gera reflexão sobre o custo/benefício do modo de vida que adotamos. Sim, a tecnologia nos permite viver com mais conforto e por mais tempo, mas também nos rouba qualidade de vida.



De que adianta termos Viagras e cia. se não lembrarmos mais para que serve uma ereção, nem quem é aquela pessoa idosa dormindo ao nosso lado? Quantos hectares de soja, arroz ou milho são necessários para bancar um ano de tratamento de um diabético ou uma vítima de Alzheimer?

Somando esses e outros custos, ambientais e de saúde, podemos talvez acabar concluindo que o modelo de agricultura industrial vigente gera prejuízos que engolem seus ganhos de produtividade e ainda deixam uma conta pendurada. 
O modelo de agricultura industrial vigente gera prejuízos que engolem seus ganhos de produtividade e ainda deixam uma conta pendurada

Estudos como os aqui relatados nos dão pistas importantes de como equacionar tudo isso e tornam mais premente a discussão do tema.

Por último, mas não menos importante, cada novo estudo apontando efeitos negativos de pesticidas – ou qualquer outra substância sujeita à regulamentação – desmoraliza um pouco mais os órgãos que autorizaram sua produção e uso e não monitoraram seus efeitos.

Acredite se quiser, mas a liberação é baseada em testes de até 60 dias com animais de laboratório. Quem realiza esses testes? O próprio fabricante, ou alguém que ele contratou para isso. 

Mas relaxe, está tudo dominado.


Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro