sábado, 30 de março de 2013

Tudo por Eike, o bom burguês da era petista

De braços com Cabral, Lula usou seu capital político para garantir o lucro de Eike Batista no Porto do Açu


Eike levou Lula ao porto do Açu e ganhou seu apoio para tudo que queria

Um sol de 34 graus banhava o Porto do Açu, na quinta-feira, 24 de janeiro, em São João da Barra, norte fluminense, quando o ex-presidente Luiz Inácio chegou a bordo do Gulfstream G550, o jatinho norte-americano de $ 60 milhões do empresário Eike Batista.

Fora ali em companhia de Eike, o poderoso bom burguês da era petista e do seu lobista Pires Neto. Embora viesse sendo convidado desde 2007, essa a primeira visita que o ex-líder operário fazia a esse polêmico empreendimento, implantado com o apoio da máquina do Estado comandada por Sérgio Cabral Filho, que enfrenta sucessivos processos abertos pelo Ministério Público:o último, sobre a salinização da água doce, protocolado namesma semana da visita.

O que queria Eike Batista com a visita do seu velho parceiro? Apavorado com seus prejuízos recentes, que já estão lhe custando dificuldades de crédito e quedas brutais nas ações de suas empresas, ele pediu ajuda a Lula para sair do sufoco. 

Uma lista de favores nem sempre éticos

Primeiro, queria que o governo brasileiro obrigasse o estaleiro Jurong Shipyard, de Singapura, a mudar o seu endereço no Brasil. Ao invés do município Aracruz, no Espírito Santo, onde já foram gastos 15% do valor total do investimento de R$ 500 milhões, o estaleiro teria de se transferir de malas e bagagens para o porto de Eike, que na melhor das hipóteses começa a operar no fim deste ano.

Segundo, intermediar uma aproximação com a Petrobrás, diante das resistências da sua presidenta, Graça Foster, a alguns pleitos do seu interesse, inclusive o de se associar ao porto do Açu, instalando-se lá.

Terceiro, interferir junto ao BNDES para a liberação de mais recursos, além dos R$ 10 bilhões já amealhados desde 2005, em especial a aprovação de financiamento de R$ 3 bilhões pleiteado pela MMX para a expansão da mina de Serra Azul (MG), e outro para a OSX construir uma plataforma de petróleo.


Um tipo de pressão que deixou o governo mal na fita

A bordo do jatinho, equipado com telefonia via satélite, Lula ligou direto para o governador Sérgio Cabral Filho, da tropa de choque de Eike, e combinaram discutir a três o que fazer pelo dileto amigo e generoso financiador de campanhas. 

Conforme o combinado pelos três, o próprio Lula contatou o ministro de Desenvolvimento, Fernando Pimentel e o da Fazenda, Guido Mantega pedindo que acionassem o embaixador Luís Fernando Serra, e informasse do interesse do governo brasileiro em favorecer Eike e das compensações que poderiam ser estudadas no caso dos prejuízos com a transferência.

A mudança só não aconteceu porque a direção do Jurong Shipyard, estimando atraso de um ano na conclusão da obra em novo local, e já com algumas encomendas, passou a informação para o governador Renato Casagrande, que reagiu imediatamente junto com a bancada federal do Espírito Santo. Se começar a funcionar ainda em 2013, o estaleiro asiático já tem previsão de construir em Aracruz sete sondas e duas plataformas para a Petrobrás, orçadas em R$ 12 bilhões. Isso representa 5 mil empregos diretos.



Isso é o que se pode chamar intimidade com o poder

Em relação à Petrobrás, Lula marcou uma audiência rapidinho para Eike com a presidenta Dilma Rousseff, que já visitou seu porto em abril de 2012 e garantiu naquela visita financiamento para que a Vale do Rio Doce, administradora da Ferrovia Centro Atlântica, implantasse uma via férrea de 40 Km até Campos, que garantirá ligação do seu porto a Minas e Espírito Santo.


A crise com a inviabilidade das siderúrgicas

Em novembro de 2012, a siderúrgica estatal chinesa Wuhan Iron and Steel Corporation - Wisco - , que já havia comprado por U$ 400 mnihões 21,5% das ações da mineradora MMX, desistiu do complexo siderúrgico de porto do Açu, alegando que o Eike não construiu a infraestrutura necessária para o projeto.

"Ferrovias, terminais portuários - eles não construíram nada. O mercado também não está lá, portanto, nós paramos as conversas neste momento e não estamos pensando nisso", desabafou então o presidente da Wisco, Deng Qilin, à agência de notícias Reuters.

Em maio de 2012, o juiz da 1ª Comarca de São João da Barra já havia determinado a suspensão da obra da argentina Terminum, a outra siderúrgica prevista como âncora do porto do Açu, comprada em setembro de 2010 da própria LLX Açu de Eike, cuja obra estava no começo com de todas as licenças concedidas pelos órgãos ambientais do governador Sérgio Cabral. 

O magistrado acatou ação do Ministério Público, que demonstrou os danos daquele empreendimento para o meio ambiente. De acordo com a procuradoria, o licenciamento subavaliou os impactos ambientais do projeto. Os promotores alegaram que um dos resultados da operação siderúrgica é o lançamento na atmosfera de benzeno, produto químico com propriedades cancerígenas.

"A análise feita por técnicos do MPRJ demonstrou que o EIA (Estudo de Impacto Ambiental), requerido para projetos com grande potencial causador de degradação, possui falhas que descumprem normas legais e apresenta incorreções e omissões que subavaliam os impactos esperados do empreendimento", afirma nota do Ministério Público.

Diante de um quadro desfavorável, que contrariava seus planos originais, Eike s viu forçado a mudar o perfil do porto do Açu, mas para isso terá que envolver a Petrobrás. 

"Dane-se a siderúrgica. Meu shopping mudou. Não existe um complexo nessa escala para servir a indústria do petróleo. Então, caramba, foi desenhado como um porto para minério de ferro e olha o que virou. Tenho agora uma clientela que me paga três vezes mais pelo metro quadrado. Só esse pessoal já paga R$ 100 milhões de aluguel, antes do porto funcionar. Ficou um negócio mais nobre e isso ninguém fala", afirmou o empresário à FOLHA DE SÃO PAULO em 11 de novembro do ano passado.

Advocacia de interesses que não pega bem

O que se questiona é por que um ex-presidente da República, que tem ascendência sobre a sucessora, a quem elegeu, e um governador de Estado se empenham nesse nível na advocacia de interesses do mega-empresário, titular de uma das maiores fortunas do mundo, como se gaba insistentemente. 

Em relação à tentativa de retirar o estaleiro do Espírito Santo, envolvendo dois ministros e um embaixador, sua interferência abusiva beira à torpeza e à deslealdade. Não há nenhum pretexto plausível para esse tipo de lobby, que só não deu certo por causa do cronograma do estaleiro. Mas o fato de que seu principal cliente aqui é a Petrobrás já teria funcionado como uma pressão irresistível.

O ex-presidente tem prestado serviço às empreiteiras e outras empresas brasileiras no exterior. Diz-se que as 30 viagens que fez desde 2011 tiveram esse escopo e foram pagas pelos interessados. Nesse caso, pode-se até inferir que, por osmose, está cuidando de interesses nacionais. Mas será difícil alguém acreditar que toda essa mão de obra é por puro patriotismo.

Nas concorrências em que interferiu, ele teve a seu favor a influência que exerce sobre o governo brasileiro e, em especial, sobre o BNDES, que sempre financia os empreendimentos das empresas brasileiras no exterior.

Essa é apenas uma das faces dos desvios de conduta de um grupo que entende o poder pela ótica mais nociva do patrimonialismo sem recato, frustrando uma expectativa bem diferente de quem ainda tem juízo crítico, acreditou no seu palanque, mas não está atrelado à máquina de cooptação que imobiliza lideranças e formadores de opinião.